Seja em um agitado tabuleiro em Salvador ou em uma celebração de matriz africana, o acarajé é a chama que pulsa no coração da cultura brasileira. Ele é mais do que um bolinho de feijão-fradinho frito em azeite de dendê; é um passaporte para a nossa história, um ritual sagrado e um símbolo de resistência.
No Made in Brasilis, mergulhamos fundo nas cores, nos sabores e nas histórias que tornam o Brasil único. Por isso, convidamos você a descobrir a verdadeira origem do acarajé e o fascinante legado que o acompanha.
Raízes Profundas: A Origem Africana do Acarajé
A história do acarajé começa muito antes de ele desembarcar na Bahia. Suas raízes estão profundamente fincadas na África Ocidental, mais especificamente nas regiões que hoje correspondem à Nigéria e ao Benim (antigo Daomé), casa do povo Iorubá e Nagô.
Onde e como Nasceu o “Akara”?
O nome da iguaria já entrega a sua essência: Acarajé é a junção de duas palavras do idioma Iorubá:
- Akara: que pode ser traduzido como “bola de fogo” ou “pão de feijão”.
- Jé: que significa “comer”.
A tradução literal, “comer bola de fogo”, não é apenas poética; ela se conecta diretamente à mitologia dos Orixás, como veremos adiante, e à sensação picante que o bolinho proporciona.
O Akara africano, embora feito com a mesma base de feijão-fradinho, sal e cebola, é consumido de forma mais simples, muitas vezes no café da manhã. Foi no Brasil, na fervilhante Bahia, que ele ganhou os recheios suntuosos e o tempero marcante que o tornaram mundialmente famoso.
A Chegada ao Brasil: Resistência e Reinvenção na Bahia
Durante o período da escravidão, o acarajé não foi apenas transportado nas memórias e nos hábitos dos africanos escravizados, em especial os de etnia Nagô. Ele se tornou uma poderosa ferramenta de identidade, religiosidade e, crucialmente, de sustento.
Trazido ao Brasil, o bolinho foi adaptado, incorporando ingredientes locais e o farto azeite de dendê. O feijão-fradinho, antes moído em pedras por um árduo processo manual, era transformado em massa, frito e vendido.
Essa atividade ficou conhecida como a “comida de ganho”, exercida por mulheres negras (muitas vezes escravizadas que pagavam sua alforria ou libertas que buscavam sustento), estabelecendo o ofício que se tornaria a marca registrada de Salvador: as Baianas de Acarajé.
O Significado Sagrado: Acarajé e o Candomblé

Para a maioria das Baianas e para a cultura afro-brasileira, o acarajé é, primeiramente, uma comida ritual (Igbá Orisá), parte fundamental do Candomblé.
Comida Ritual dos Orixás
O acarajé é uma oferenda especial e indispensável para a orixá Iansã (Oyá), a divindade dos ventos, das tempestades e do fogo. Sua importância está narrada em um dos mitos mais poderosos da religião:
A lenda conta que Iansã, esposa de Xangô (Orixá do trovão e da justiça), foi incumbida de buscar um preparo que daria a ele o poder de soltar fogo pela boca. Curiosa e ousada, Iansã comeu secretamente parte do bolinho e também ganhou o poder, tornando-se uma aliada de força igual à do marido. O acarajé, portanto, se tornou a sua comida votiva, ligada à sua energia combativa e ao seu fogo.
Por ter essa conexão sagrada, o acarajé preparado para o terreiro (sem pimenta, ou com um mínimo de sal) é ligeiramente diferente do bolinho vendido na rua, que, apesar de secularizado, ainda carrega a essência e a energia dos Orixás.
Guardiãs da Tradição: O Ofício das Baianas de Acarajé
Não se pode falar da origem do acarajé sem celebrar as suas guardiãs. As Baianas de Acarajé são verdadeiras matriarcas da cultura baiana, responsáveis por manter vivo um saber ancestral.
- Em 2005, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) reconheceu o Ofício das Baianas de Acarajé como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, atestando o seu valor histórico, religioso e de identidade nacional.
- Vestidas com saias rodadas, turbantes e fios de conta, elas não apenas preparam a receita, mas preservam toda uma cosmologia e um modo de vida, transmitindo o conhecimento de geração em geração.
Curiosidades Rápidas: Desfazendo Mitos e Celebrando o Sabor
Para finalizar nossa jornada, confira alguns fatos que tornam a experiência do acarajé única:
- “Quente ou Frio?” Essa é a pergunta clássica da Baiana. “Quente” significa com muita pimenta (o “fogo” do akara); “Frio” significa sem ou com pouca pimenta.
- Os Acompanhamentos: O acarajé de rua é tradicionalmente recheado com vatapá, caruru, camarão seco e vinagrete.
- Feijão-Fradinho: É o único feijão usado na receita. Depois de descascado e moído, ele é batido à mão ou em moinhos até ficar com a consistência leve e esponjosa ideal para a fritura.
Conclusão: O Paladar que Conecta
A origem do acarajé é, portanto, um legado de resiliência. É a celebração de um povo que, mesmo submetido à escravidão, conseguiu preservar sua fé e sua culinária, transformando um bolinho simples em um dos maiores ícones culturais do Brasil. Ao saborear um acarajé, você não está apenas degustando um prato delicioso; você está honrando uma história que pulsa há séculos.
E você, já se deliciou com essa tradição? Qual é o seu acarajé preferido (com ou sem pimenta)? Conte para a gente nos comentários!





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