A Capoeira é mais do que uma arte marcial; é uma dança, um esporte, uma expressão musical e, acima de tudo, um símbolo vivo da história e da resiliência do povo brasileiro. Nascida no ventre da escravidão, sua trajetória é uma fascinante narrativa de resistência, perseguição e, finalmente, de triunfo e reconhecimento global.
Se você busca entender a fundo as raízes dessa manifestação cultural que encanta o mundo, prepare-se para mergulhar em uma jornada histórica essencial para compreender a alma do Brasil.
O Berço e as Raízes: Onde e Como a Capoeira Nasceu?
A Capoeira surgiu no Brasil, mas suas raízes são profundamente africanas. Ela é o resultado da fusão de diversas tradições de luta e dança trazidas pelos povos escravizados da África Central, sobretudo de regiões que hoje compreendem Angola e o Congo.
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As Hipóteses Africanas: Dança, Ritual e Combate
Embora não haja um consenso absoluto, a teoria mais aceita sugere que a Capoeira se desenvolveu como uma forma de disfarçar o treinamento de combate. Os movimentos, aparentemente coreografados e acompanhados por música, pareciam inofensivos aos olhos dos senhores de engenho.
Diversas práticas africanas, como a N’golo (dança da zebra) de Angola, que envolvia golpes de rasteira e uso das mãos, são frequentemente citadas como influências diretas no desenvolvimento inicial da Capoeira.
O Contexto da Escravidão no Brasil Colônia
O ambiente opressor dos engenhos de açúcar e das senzalas foi o catalisador que forjou a Capoeira. Para os africanos escravizados, ela se tornou uma das poucas ferramentas de resistência cultural e física disponíveis. Era no ritmo do berimbau, sob o manto da dança, que a habilidade de luta era aprimorada.
Nos quilombos, como o lendário Quilombo dos Palmares, a Capoeira era vital. Ela não apenas fortalecia a identidade e o senso de comunidade, mas também era uma tática de guerra crucial para a defesa contra as incursões dos capitães do mato.
A Perseguição e a Marginalização: O Crime Chamado Capoeira
Com o fim da escravidão em 1888, a Capoeira não encontrou a liberdade, mas sim uma nova forma de opressão. Muitos ex-escravizados migraram para os centros urbanos, onde a prática da Capoeira, agora desvinculada do controle das senzalas, passou a ser vista pelas elites como sinônimo de vadiagem, desordem e perigo social.
O Código Penal de 1890: Quando Lutar Virou Delito
A Capoeira foi oficialmente criminalizada. O Código Penal da República de 1890 dedicou uma seção específica, o Capítulo XIII, para punir “vadios” e “capoeiras”. A prática podia levar à prisão com trabalhos forçados e até mesmo ao degredo (exílio).
Atenção: O artigo 402 do Código de 1890 era o mais direto, penalizando quem “fizesse nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal conhecidos pela denominação de capoeiragem”.
A Malandragem e os Capoeiras Urbanos do Século XIX
Neste período, o capoeira muitas vezes se associava a grupos de malandros e “valentes” em cidades como Rio de Janeiro e Salvador. Eles atuavam em disputas de poder local, chegando a ser usados por políticos em troca de favores ou proteção, reforçando o estigma da marginalidade. A navalha e a gilete eram, por vezes, incorporadas ao repertório de luta, tornando a Capoeira um sinônimo de perigo e violência.
O Resgate e a Institucionalização: A Capoeira Encontra Seus Mestres

A virada na história da Capoeira só ocorreu no século XX, graças à visão e à dedicação de dois grandes mestres baianos que a tiraram da ilegalidade e a elevaram ao status de arte.
Mestre Bimba e a Criação da Luta Regional Baiana (Capoeira Regional)
Manuel dos Reis Machado, o Mestre Bimba (1899-1974), foi o grande responsável por retirar a Capoeira do limbo da marginalidade. Sua genialidade foi metodizar o ensino, incorporando golpes de outras lutas para tornar a Capoeira mais objetiva e eficaz.
Ele a rebatizou como Luta Regional Baiana e, em 1932, fundou a primeira academia de Capoeira legalizada, com o aval do então presidente Getúlio Vargas, que se impressionou com uma de suas apresentações. Bimba popularizou a prática entre a classe média e a elite, pavimentando o caminho para o reconhecimento.
Mestre Pastinha e a Preservação da Capoeira Angola
Paralelamente, Vicente Ferreira Pastinha (1889-1981) dedicou-se à preservação das raízes tradicionais da arte. Para ele, a Capoeira era “mandinga, malícia, jogo de cintura e ritual”.
Pastinha fundou o Centro Esportivo de Capoeira Angola em 1941, dedicando-se a manter a Capoeira em sua forma mais antiga, valorizando o ritual, a lentidão estratégica do jogo, o canto e os instrumentos tradicionais. Ele assegurou que o berço histórico da Capoeira não fosse esquecido.
Tipos de Capoeira: Regional, Angola e Contemporânea
Hoje, a Capoeira se divide em estilos distintos, cada um com sua filosofia, ritmo e características de jogo.
As Características da Capoeira Regional: Mais Esportiva e Objetiva
A Capoeira Regional, herança de Mestre Bimba, é marcada por ser mais rápida, acrobática e focada na luta. Possui sequências de ensino bem definidas, menos cantigas e um uniforme padronizado. O ritmo do berimbau é mais acelerado, e o jogo é dinâmico e direto.
O Jogo da Capoeira Angola: O Ritmo Lento, a Malícia e a Tradição
O estilo Angola é a manifestação mais tradicional. O jogo é lento, rasteiro e cheio de malícia (mandinga). A prioridade é o diálogo corporal, o disfarce, e a beleza do movimento, em vez da força bruta. A roda e o ritual são mais longos e solenes, com ritmos lentos de berimbau.
Da Roda Brasileira ao Reconhecimento Global: A Capoeira no Século XXI
A partir da segunda metade do século XX, a Capoeira começou sua trajetória de expansão, levada por mestres e contramestres que imigraram para diversos países. Hoje, ela é praticada em mais de 150 nações.
O Título da UNESCO: Capoeira como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade
O coroamento dessa jornada histórica veio em 2014, quando a Roda de Capoeira foi oficialmente reconhecida pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.
Este título não apenas celebra a Capoeira como uma expressão artística universal, mas também garante sua proteção e incentiva sua transmissão para as futuras gerações, perpetuando o legado de resistência de seus criadores.
Conclusão: O Legado Vivo da Capoeira
A história da Capoeira é um espelho da própria história do Brasil: marcada por dor, repressão, mas também por uma incrível capacidade de reinvenção e resistência. Ela evoluiu de uma luta clandestina de escravizados para um fenômeno cultural global e um orgulho nacional.
Seja você um praticante experiente, um iniciante curioso ou apenas um admirador da cultura brasileira, compreender a trajetória da Capoeira é entender uma das mais belas e poderosas expressões de liberdade. Ela nos ensina que, mesmo sob perseguição, a cultura e o espírito humano sempre encontrarão uma forma de se manifestar e sobreviver.





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